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Índia proíbe exportações de trigo: por que isso pode ser bom para o Brasil

A decisão da Índia de proibir as exportações de trigo acentua o risco de desabastecimento do mercado global, que já estava em estado crítico devido à guerra entre Rússia e Ucrânia, que respondiam por 30% do fornecimento mundial. Entretanto, a decisão governo indiano aumenta a janela de oportunidades para o produtor brasileiro, que nesta safra deve investir na expansão do plantio, de olho no mercado externo. Essa é a opinião da maioria dos especialistas ouvidos pela Globo Rural.

O recuo da Índia, que decidiu permitir apenas os embarques das cargas que já aguardavam liberação alfandegária, ocorreu alguns dias depois de o país asiático, dono de 50% dos estoques mundiais de trigo junto com a China, anunciar que iria exportar um recorde de 10 milhões de toneladas este ano. A justificativa para o recuo foi a onda de calor que provocou quebra da safra e elevou os preços domésticos do cereal a patamares recordes.

Grande importador histórico de trigo, para atender cerca de 60% da demanda estimada de 12,6 milhões de toneladas, o Brasil aumentou a área plantada e passou nos dois últimos anos a elevar suas exportações, incentivado pela valorização da commodity no mercado internacional.

O consultor em agronegócios Carlos Cogo estima que o país pode chegar neste ano ao recorde de 3,4 milhões de hectares de área plantada de trigo, um aumento de 20% em relação a 2021, com uma produção de 11 milhões de toneladas e exportação de 3 milhões de toneladas. O número é bem superior à estimativa da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), que segue outra metodologia e prevê em seu levantamento divulgado em maio uma safra de 8,13 milhões para uma área plantada de 2,82 milhões de hectares, mas está abaixo da previsão de outras consultorias, que já apostam em uma safra de até 4 milhões de hectares.

“Eu sigo a venda de sementes, pode até faltar sementes para tanta demanda, mas o fato é que o Brasil tem espaço para produzir bem mais trigo e a cultura está com uma capacidade de gerar lucro líquido pelo terceiro ano consecutivo”, explica Cogo.

Fernando Michel Wagner, gerente comercial América Latina da Biotrigo Sementes, diz que não deve faltar sementes para o produtor expandir a área plantada. “Semente tem, mas se demorar para escolher, o agricultor pode não conseguir comprar as duas ou três melhores cultivares para responder ao nível tecnológico que pretende alcançar.”

Jean Cirino, diretor da Associação dos Produtores e Comerciantes de Sementes e Mudas do Rio Grande do Sul (Apassul), diz que a semente não será limitante para aumento de área. Segundo ele, considerando a disponibilidade de sementes, o Estado tem potencial para plantar até 1,43 milhão de hectares.

Liderança

Hamilton Jardim, coordenador da Comissão de Trigo e Cereais de Inverno da Federação de Agricultura do Rio Grande do Sul (Farsul), diz que os gaúchos, que assumiram a liderança do ranking nacional de produção de trigo no ano passado, jogando o Paraná para o segundo lugar, devem elevar em até 15% a área plantada, na comparação com 2021, que já foi recorde. Juntos, Paraná e RS respondem por cerca de 90% da produção nacional.

“Não será surpresa se o Rio Grande do Sul chegar a uma área plantada de 1,5 milhão de hectares, quando há três anos não atingia nem 1 milhão. É uma bela oportunidade porque o trigo está cada vez mais valorizado e nunca exportamos tanto quanto agora.”

Segundo Jardim, a decisão da Índia de não exportar o grão não é tão relevante para o Brasil, mas a guerra entre Rússia e Ucrânia faz toda a diferença e abriu uma janela de oportunidades para os embarques do grão nacional, com grande aumento de receita.

Nesta terça (17/5), a Farsul divulgou em seu relatório de comércio exterior que o Estado exportou US$ 658,58 milhões em trigo no primeiro quadrimestre deste ano, um aumento de 437% na comparação com o mesmo período de 2021, quando a receita foi de US$ 122,59 milhões. Em volume, só o primeiro trimestre somou 1,97 milhão de toneladas, maior que a exportação de todo o ano passado de 1,88 milhão de toneladas, que já tinha sido recorde. O RS exporta para o norte da África, Oceania, Vietnã, Indonésia e até para o vizinho Uruguai.

O diretor lembra que as exportações estão ainda mais beneficiadas neste ano porque o Porto do Rio Grande que deveria estar embarcando mais soja e milho nesta época está com capacidade ociosa devido à quebra da safra desses grãos no Estado, provocada pela forte estiagem.

Custos de produção

Jardim lembra, no entanto, que o aumento de até 55% nos custos de produção neste ano na comparação com 2021, causado pela alta dos insumos como sementes, adubos e químicos e do óleo diesel, pode representar um problema grande para o produtor, que já está sujeito aos riscos climáticos da cultura, em geral maiores que o de outras lavouras. “Graças a Deus, o mercado está sinalizando com preços altos porque, se cair, a cultura volta a operar com margem negativa.”

Os custos de produção foram um dos fatores que levaram o Paraná a sinalizar redução de 4% na área neste ano, segundo o consultor do Departamento de Economia Rural (Deral) Carlos Hugo Godinho, embora ele admita que pode haver uma reação nas próximas avaliações. Outro fator que impactou na redução é a volta da aposta do produtor no milho.

“No ano retrasado, tivemos um atraso no plantio de soja que inviabilizou a janela para o milho. Em seu lugar, o produtor semeou trigo. Agora, ele volta para o milho que tem o dobro da produtividade do trigo e preço e custo de produção semelhantes.”

Atualmente, segundo Godinho, o custo de produção de uma saca de trigo no Estado está estimado em R$ 93 reais e o preço de venda está por volta de R$ 97, uma margem muito estreita para o produtor diante de tantos riscos. Apesar disso, ele vê uma possibilidade de o agricultor da região sul e centro-sul do Paraná, que ainda não plantou trigo, encarar o cenário global como estímulo e elevar a área do cereal.

“Cerca de 42% do trigo já está plantado, mas o aumento de preços pode ser um estímulo para retomar plantios de trigo. Esse período de entressafra mundial deve durar até julho e continuar refletindo nas cotações internacionais.”

Dois fatores ainda podem mudar o cenário global, na opinião de Godinho: como vai ficar a produção e exportação da Ucrânia e o impacto das ondas de calor da Índia que podem reduzir a produtividade do trigo e levar o país a decidir também importar o grão.

Wagner, da Biotrigo, diz que até esperava o recuo da Índia para manter o trigo no mercado interno por uma questão de segurança alimentar. O que o surpreendeu foi o anúncio do país asiático de passar a exportar na janela aberta pela ausência dos grãos russos e ucranianos. “Para ser um player exportador, a Índia precisaria fazer uma caminhada longa como fez a Rússia que, na década de 90, decidiu que seria autossuficiente em trigo e se tornaria grande exportadora.”

A saída da Índia, segundo ele, abre espaço também para players importantes no mercado de trigo, como a Argentina, maior fornecedora do Brasil. O país vizinho sinalizou uma redução de área de 300 mil hectares devido ao aumento dos custos de produção, mas já faz um movimento para baixar apenas 100 mil hectares ou até manter a área do ano passado. Ele lembra que os Estados Unidos, grande exportador de trigo, também projetam perda potencial na lavoura e que até a China, com uma provável quebra de safra, pode decidir comprar trigo.

 

Fonte: Biotrigo