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Tamanduá-da-soja: exemplo do poder adaptativo das pragas

Na semana passada, abordamos em detalhes a bioecologia e o manejo do tamanduá-da-soja (Sternechus subsignatus), importante praga de início de ciclo na cultura da soja. Hoje, veremos como essa espécie exemplifica uma das principais razões por trás do sucesso evolutivo dos insetos-praga e, consequentemente, da dificuldade no seu manejo: a alta capacidade de adaptação.

Nativo do Brasil, o tamanduá-da-soja é um inseto oligófago, cuja alimentação restringe-se a algumas espécies de leguminosas. A sua primeira ocorrência em lavouras de soja foi registrada em 1973, no Rio Grande do Sul. Antes disso, era considerada uma praga secundária do feijoeiro. Nos anos seguintes, cresceu em importância devido à difusão do sistema plantio direto, até diminuir sua ocorrência graças ao advento do tratamento de sementes. Hoje, ocorrem surtos localizados em determinadas áreas, mas com alto potencial de redução na produtividade.

O tamanduá-da-soja se distingue de outras pragas por apresentar uma única geração por ano (espécie univoltina), e repetir essa infestação anual de forma cíclica, na mesma área. Nesse sentido, se assemelha aos corós dos cereais de inverno (Diloboderus abderus Phyllophaga triticophaga), que possuem ciclo anual e bianual, respectivamente.

O diferencial do tamanduá-da-soja é o seu alto sincronismo com o ciclo da soja, fazendo coincidir a emergência dos primeiros adultos e a deposição dos primeiros ovos com o início do desenvolvimento da cultura.

Figura 1. Ciclo biológico anual de Sternechus subsignatus na cultura da soja.

Na região Sul do Brasil, esse fluxo de emergência costuma ocorrer a partir de novembro. Esse é o período crítico para o dano na cultura, devido à alimentação dos adultos, anelamento da haste para oviposição e formação de galhas nos locais de desenvolvimento das larvas.

Já a hibernação das larvas em câmaras no solo ocorre a partir de fevereiro, podendo durar por mais de 250 dias, até o início da safra seguinte. Alterações na época de semeadura podem quebrar temporariamente esse sincronismo, mas nas safras seguintes a espécie rapidamente se adapta às variações.

Portanto, é evidente que a espécie S. subsignatus desenvolveu uma associação íntima com a cultura da soja, alterando seu ciclo anualmente de acordo com a janela de semeadura e a disponibilidade de alimento. A grande questão é que esse sincronismo já era observado desde o primeiro registro da praga, em 1973, apenas algumas décadas após o início do cultivo comercial da soja no Rio Grande do Sul, em 1914. Do ponto de vista evolutivo, esse é um período extremamente curto para desenvolver tal grau de especialização, o que denota o alto poder adaptativo da espécie.

É possível que a soja seja nutricionalmente mais atrativa para o inseto do que os hospedeiros utilizados anteriormente, o que motivaria essa especialização. Parte desse processo também é explicada pelas condições do sistema de cultivo, como a palhada mantida no sistema plantio direto, que favorece a hibernação das larvas no solo e mantém as temperaturas mais amenas à noite.

Atualmente, verifica-se uma expansão significativa do tamanduá-da-soja para estados das regiões Centro-Oeste e Nordeste, reacendendo a preocupação com a praga.

Figura 2. Danos causados por Sternechus subsignatus em soja: raspagem (a) e quebra de haste (b).

O caso do tamanduá-da-soja é emblemático porque demonstra a complexidade do manejo das pragas agrícolas. Os insetos são organismos altamente competitivos, devido a características como tamanho diminuto, alto potencial reprodutivo e capacidade de dispersão. É o grupo de animais com maior diversidade de espécies em qualquer ambiente da Terra, e o mais bem-sucedido em colonizar esses ambientes.

Por isso, cada introdução de um novo cultivo agrícola por mãos humanas traz consigo o risco de surgimento de uma nova praga, ou alteração no status de uma praga já existente. Cabe aos técnicos e produtores ponderar esses fatores e buscar as melhores estratégias de manejo.

Fonte: Mais Soja